domingo, 15 de março de 2009

Dr. Estranho Amor







Dr. Estranho Amor
Ou: Como Aprendi A Deixar De Me Preocupar E A Amar a Bomba
Dr. Estranho Amor é um filme de 1964 realizado por Stanley Kubrick e interpretado por Peter Sellers e George C. Scott.
A película retrata a Guerra Fria, a guerra do medo. A U.R.S.S., que tinha como ideologia política o socialismo, e os E.U.A., cuja ideologia política era o capitalismo, eram nações que viviam com medo de serem atacadas pela outra. Então houve uma enorme corrida ao armamento e ambos os países ficaram com um número de armas suficiente para destruir o mundo várias vezes, porém este terrível ataque acabou por não se concretizar, visto que ambas temiam o poder da outra, a este momento da história da Humanidade dá-se o nome de Equilíbrio pelo Terror.
Convicto de que os comunas estão a contaminar a nação americana, Jack D. Ripper, um general completamente tresloucado ordena, num acesso de loucura, um ataque atómico sobre a União Soviética. O seu ajudante, o Capitão Mandrake (Peter Sellers), tenta desesperadamente averiguar o código para deter o bombardeamento. O presidente dos E.U.A. (Peter Sellers, novamente) contacta o primeiro-ministro soviético para lhe falar do ataque (dizendo-lhe que se trata de uma estupidez) e pede-lhe que destrua os aviões americanos. Nessa conversa o primeiro-ministro soviético salienta que se alguma bomba cair em terreno soviético a Máquina Apocalíptica, uma arma soviética que destruiria o mundo, seria activada. Dr. Estranho Amor (também Peter Sellers), o assessor do presidente, é encarregue de verificar a existência de semelhante máquina. Entretanto 30 dos 34 aviões haviam regressado, 3 foram abatidos e um foi quase destruído, porém conseguiu mandar a bomba…
Este filme passa-se apenas em três lugares: O quartel-general onde o general louco Jack D. Ripper (alusão a Jack the Ripper, Jack, o Estripador) mantém aprisionado o Capitão Mandrake (vagamente parecido com o Coronel Dax de Horizontes de Glória), que tenta “arrancar” o código para deter o bombardeamento ao General, a Sala de Guerra onde diversos políticos e oficiais decidem como chefiar as tropas. E o avião capitaneado pelo Major T.J. “King” Kong, o cavaleiro da bomba, que resistiu ao ataque soviético e que conseguirá largar a bomba.
No início do filme Stanley Kubrick faz questão de salientar que esta fita é puramente ficcional.
É um excelente filme que mostra as palermices que levam à guerra e a própria estupidez que é a guerra. Na altura do lançamento do filme gerou-se uma enorme polémica, pois viviam-se momentos de puro terror, em plena Guerra Fria. A Máquina Apocalíptica é algo muito interessante. Ambos os países possuíam material para destruir o mundo, porém isso seria tonto porque assim acabariam por se destruir a si próprios…
Neste filme Kubrick acaba por dar continuação a uma questão claramente abordada no seu filme de 1957, Horizontes de Glória. Nessa película Kubrick aponta o excessivo poder concentrado em algumas pessoas corruptas. Em Dr. Estranho Amor, o poder não está concentrado em pessoas corruptas, mas sim em pessoas loucas (Jack D.Ripper, Dr. Estranho Amor, o Primeiro-Ministro Soviético…). A ordem dada sem pensar por um General louco é respeitada pelos aviões. Na actualidade acontece o mesmo, alguns países são governados por loucos que, por poderem fazer o que lhes apetece, não têm consideração pelos povos.
Stanley Kubrick baseou-se no romance Red Alert, que adorara, escrito por Peter George. Este romance não é uma comédia, mas sim um drama, porém Kubrick achou que um drama, em tempos tão difíceis, não seria o mais aconselhável, nem o mais bem recebido pelo público.
Este filme tem interpretações espantosas por parte de vários actores. George C. Scott interpreta um general mulherengo e macho muito expressivo presente na Sala de Guerra, excelente interpretação. Porém o grande destaque vai para Peter Sellers, num triplo papel. Interpreta o honrado Capitão Mandrake, que tenta desesperadamente deter o bombardeamento, o presidente dos E.U.A., personagem fabulosa que mantém a calma de maneira brilhante num momento complicadíssimo e Dr. Estranho Amor, um cientista louco, ex-nazi e paralítico que faz a saudação nazi involuntariamente. Peter Sellers (muito conhecido por entrar em filmes da Pantera Cor de Rosa interpretando o tonto Dr. Closeau) mostra neste filme que é um actor brilhante, visto ser capaz de interpretar personagens muito diferentes do ponto de vista psicológico. Dr. Estranho Amor é a personagem mais complexa, visto ser meio gago e ter uns tiques meio esquisitos.
Dr. Estranho Amor, personagem que dá título ao filme, é certamente baseado nos cientistas nazis que realizaram experiências com seres humanos na altura da II Guerra Mundial. Estranho Amor tem várias ideias tontas para que a humanidade possa continuar a existir caso a Máquina Apocalíptica seja activada. Esta personagem paralítica dá título ao filme porque acaba por seguir o espírito da própria película: é um homem tonto com ideias fora de moda. A mão biónica tapada por uma luva deste cientista é uma alusão à mão de Rotwang, o cientista louco de Metropolis.
Este filme tem várias cenas notáveis, como por exemplo a da Coca-Cola, mas o destaque vai para duas cenas fantásticas. Quando o General Buck Turgidson briga com o embaixador russo o presidente exclama a uma frase fantástica: É proibido lutar na sala de Guerra, portanto eles podiam destruir o mundo, mas não se podia lutar lá dentro…A outra cena é uma das fotografias mais belas da história do cinema: O Major T.J. “King” Kong acena com o seu chapéu de Cowboy enquanto tenta domar uma bomba atómica que cairá sobre a U.R.S.S.
A guerra está muito presente na filmografia de Kubrick. Começa em 1957 quando Kubrick aborda um acontecimento verídico da I Guerra Mundial no filme Horizontes de Glória. Em 1964 realiza Dr. Estranho Amor, baseado na Guerra Fria. Em 1987 realiza Full Metal Jacket -Nascido Para Matar, película em que aborda o treino militar e acontecimentos da Guerra do Vietname.
Este filme tem variadíssimos momentos de puro humor. Quando o presidente diz é proibido lutar na sala de guerra, nos monólogos fabulosos entre o presidente americano e o Primeiro-ministro Soviético, naquele fabuloso momento em que Jack D. Ripper ordena as suas tropas a dispararem sobre qualquer alvo que tente comunicar com a base, o que leva a que as tropas americanas ataquem uma base americana, no momento em que T.J. King Kong cavalga na bomba, na altura em que Dr. Estranho Amor dá vários conselhos idiotas para evitar a extinção da espécie, quando Jack D. Ripper devaneia sobre os fluidos corporais dos homens, no momento em que Mandrake tenta comunicar com o presidente a partir de uma cabine telefónica…enfim todo um rol de acontecimentos sem sentido, que acabam por suceder devido à estupidez que é a guerra e à burrice dos intervenientes…
O filme termina com a belíssima canção de Vera Lynn We’ll Meet Again. Esta cantora foi diversas vezes homenageada pela banda Pink Floyd e tornou-se famosa na II Guerra Mundial. Enquanto esta música passa vão-se sucedendo imagens de bombas a rebentar num momento Apocalíptico. É um dos momentos mais belos da história do cinema, também por ser um momento cómico. Com esta música Kubrick tenta ironizar um acontecimento possível e terrível com uma música calma e alegre sobre o encontro entre os homens. Este não era o final inicialmente pretendido por Stanley Kubrick. Um outro final chegou a ser gravado: todos os presentes na Sala de Guerra iniciam uma batalha de tortas que os encherá de creme. Mais tarde Peter Sellers, que tinha uma excelente relação com Kubrick, propôs-lhe outro final, aquele que acaba opor ficar para a História. No final o realizador optou pelo final com as bombas a cair, visto que o outro tiraria completamente a ideia que o filme queria transmitir. No meu entender acho que fica melhor vermos a raça humana desaparecer ao som de Vera Lynn.
Este é um filme muito masculino, não só por tratar de assuntos de poder e de guerra, mas também por apresentar no elenco apenas uma mulher, a secretária e amante do General Turgidson.
Toda a película é filmada a preto e branco com intenção de mostrar quão negros eram os tempos que se viviam e talvez a crueldade humana.
Este filme ganhou vários BAFTA e foi nomeado para quatro Oscares: Melhor Filme, Melhor Realização, Melhor Actor (Peter Sellers) e Melhor Argumento Adaptado. Kubrick foi um realizador estranhamente ignorado pela Academia. É um fabuloso realizador de filmes de culto que marcam várias geraçõs, mas acaba por vencer apenas um Oscar, o de melhores Efeitos Especiais em 2001: Odisseia no Espaço. A AFI (American Film Institute) considerou Dr. Estranho Amor a terceira melhor comédia de sempre, apenas ultrapassada por Quanto Mais Quente Melhor e Tootsie( inexplicável o facto deste filme ser considerado melhor que Dr. Estranho Amor…). Na lista de 100 melhores filmes de sempre, Dr. Estranho Amor encontra-se em vigésimo sexto.
A cada novo visionamento esta obra parece ganhar um novo sentido.
Realizador: Stanley Kubrick
Actores: Peter Sellers, George C.Scott, Sterling Hayden e Keenan Wynn
Título Original: Dr. Strangelove Or: How I Learned To Stop Worrying And Love the Bomb
Reino Unido-1964



99/100